Revista Época – Martha Mendonça

“Quando minha amante não me quis mais, senti mais dor do que na morte da mãe. Logo minha mãe, que foi tão boa pra mim. Ele foi mau. Me fez sentir a mulher mais maravilhosa do mundo, depois deixou de me amar .Eu o persegui, xinguei e agredi. Minha vida se tornou ingovernável.”

O relato de Tânia, carioca, 41 anos, é interrompido pelas lágrimas inúmeras vezes. Professora, casada e mãe de um adolescente, ela se tornou viciada – no jogo e no amor. O alcoolismo do marido e a independência do filho crescido a jogaram num vazio. Há cinco anos, nas tardes livres, comecei a frequentar um bingo. Era apenas um passatempo, até que conheceu Paulo, solteiro e mais jovem do que ela. Em uma semana, estávamos apaixonados. Uma nova rotina se fez: passandom as tardes apostando – quase sempre com o dinheiro dela – e, antes que ela voltasse para a família, ficavam algumas horas no apartamento dele, ali perto.

“Era muita adrenalina. Da roleta à cama dele, eu me senti numa aventura, num filme. Depois de um mês, ele disse que queria ser meu noivo. Sabia muito bem que eu era casada, mas ali no bingo, a gente vivia um mundo paralelo. Ele fez o anúncio na frente de todo o pessoal que jogouva e me deu um anel, joelhado no chão. Eu nunca me senti tão poderoso.”

Depois de um ano, tudo começou a mudar. Paulo sumia várias tardes. Dizia que havia conseguido um trabalho e que não queria mais ser sustentado pelos pais. Tânia passou a persegui-lo. Durante dias seguidos, passava horas no estacionamento onde ele guardava o carro para ver se ele chegasse com alguém. Sua vida era saber de todos os seus passos. Subornou um porteiro. Tentei contratar um amigo para segui-lo. No bingo, quando Paulo aparecia, ela não permitiu que ele conversasse com nenhuma outra mulher. Tiveram brigas públicas. Ela já não se ligava ao olhar dos outros. Passaram a se adicionar fisicamente.

“Eu não ligava para o meu filho, minha casa, nada. Eu vivia em função dele. Um dia, ele disse que não queria mais, que eu levava a vida dele para o fundo do poço. Falou que eu era louca. Foi um pouco antes de um Natal. Na ceia, com meu marido, meu filho e o resto da família, chorei sem parar. Ninguém sabia o que eu tinha. A quem perguntava, eu dizia que estava deprimida.”

No dia seguinte, Tânia foi para a casa de Paulo. A mãe atendeu a porta e ela invadiu. Começou a gritar e quebrar tudo pela frente. Agrediu o ex-namorado com socos e pontapés. Chamaram dois porteiros para tirá-la de lá. Mas ela não parou. Continuou acompanhando o ex-namorado. Contentava-se em vê-lo passar na rua. Teve distúrbios de ansiedade, insônia e desmaios. A família nunca soube o motivo. Hoje, ela tem apoio psiquiátrico e participa de um grupo de apoio. Ainda pensa no ex – e sofre –, mas tem conseguido se controlar.

“Até quando, não sei. Mas esse amor ainda dói muito.”

O que Tânia chama de amor pode ser, na verdade, uma doença. Dentro das classificações psiquiátricas, ela se insere nos chamados Transtornos Impulsivos do Comportamento – junto com o vício no jogo, nas compras e na comida. Nos meios médicos, é chamado de Amor Patológico – e tem sido cada vez mais reconhecido como doença.

No Rio, a Santa Casa, referência em Psiquiatria, iniciou este ano o tratamento específico deste tipo de transtorno. Doze pacientes passaram por sessões individuais e trabalhos em grupo. Há cinco anos, um núcleo da Universidade de São Paulo (USP) também mantém um ambulatório especializado, além de estudar o Amor Patológico. “A ideia dessa dependência afetiva é bastante nova. Esse reconhecimento é muito importante, porque é algo que causa enorme sofrimento a muitas pessoas”, diz a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa.

O Amor Patológico ainda não é, oficialmente, uma doença mental. As dependências comportamentais estão entrando, progressivamente, no Manual de Estatística e Diagnóstico das Doenças Mentais, o DSM. Trata-se da bíblia dos transtornos mentais, reelaborada periodicamente pela Associação Americana de Psiquiatria. Na próxima edição, que sairá ainda este ano, a compulsão por jogos será registrada. “Aos poucos, a coleção de registros e a existência de um padrão fará com que os transtornos sejam incluídos no Manual”, diz Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Desde a década de 80, a psicologia e a medicina estão percebendo que, da mesma forma que há dependências químicas, de substância, há uma dependência de determinados comportamentos. A novidade é a medicalização do transtorno. O reconhecimento do problema – que tem um padrão, daí ganha um tratamento específico – é o primeiro passo para o processo de controle de atitudes que podem prejudicar vidas.

No fundo de tudo, a busca do prazer. O vício não é no jogo, na droga ou na pessoa – não é prazeroso. A explicação é neuroquímica: a paixão, como a droga, libera a dopamina no cérebro. É essa substância que causa sensação de prazer, conforto, felicidade e bem-estar. Depois de experimentá-la, como viver sem ela? No caso do Amor Patológico, essa sensação é personificada. Como viver sem aquele alguém ou com a ideia de que ele não nos ama como gostaria?

“Falar sobre isso é quase tão doloroso quanto a própria dor. Só estou me tratando porque não conseguiria lidar com a perda da minha mulher. Preciso aprender a controlar meus pensamentos e perceber que nem tudo o que imagino é real. Depois que meus ataques e a raiva passaram, sinto muita vergonha. Minha autoestima está no fundo do poço, e ninguém vai me amar desse jeito.”

O administrador de empresas paulistano Walter, 33 anos, é casado há quatro anos. Admita que sempre foi “dependente” de suas namoradas. Não aceitava que a atenção integral do início do namoro diminuísse com o tempo. Rapidamente se sentiu rejeitado. Se telefonava e elas não podiam falar, ia até onde elas estavam, tirava satisfações e dava vexame. Achou que, com o casamento, isso diminuiria. Mas o compromisso, em vez de aliviar seu estresse, só o aumentou. O dia a dia a dois intensificaram as cobranças – e as brigas, cada vez mais violentas.

“Ela sai de casa e eu comecei a pensar coisas ruins, como se ela estivesse me treinando ou fazendo algo sem que eu saiba. Daí em diante, não consigo mais me controlar nem me concentrar em qualquer outra coisa. Quem me olha pensa que estou calmo, trabalhando, mas, por dentro, tem um monstruoso em ação.”

Há um ano, numa briga – depois que o celular da mulher ficou sem bateria e ele não conseguiu falar com ela – Walter agrediu. A mulher foi para a casa da irmã. Só voltei depois de uma semana, após a promessa do marido de frequentar um psicólogo. Foi lá que Walter ouviu falar, pela primeira vez, que sofria de amor patológico. E que, muitas vezes, esta não é uma doença de um ator só – mas uma via de mão dupla. Admitir tudo isso é tão difícil para ele, e o medo de compartilhar tão arraigado, que Walter só encontrou em dar entrevista por telefone e se encontrou a tirar fotos, mesmo sem identificação.

“Uma psicóloga me fez perceber que muito do que minha mulher fazia estimulava meu transtorno, minha necessidade de controle e de perseguição. Ela sabia que era mais poderosa quando eu ignorava um pouco, fazia doce ou não atendia meus telefonemas. Ela deixou eu crescer na minha raiva e explodir. Depois eu fiquei mal, e ela, grande. Eu, pequeno e fraco, por tudo o que tinha feito. No meu tratamento, estou tentando colocar o centro da minha vida em mim mesmo. Não é fácil, porque estou inseguro e tenho medo de ficar sozinho. Mas quero conseguir. Só assim vou poder ter um amor saudável um dia.”

Autora de best-sellers como Mentes Inquietas e Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado , a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa prepara um livro sobre uma personalidade borderline. Ainda pouco conhecido, este tipo de transtorno é caracterizado pela ausência de ligação com a realidade e pela dificuldade de conexão real com o outro. Não chegam a ser psicopatas – que não têm empatia com o outro –, mas têm mais do que uma neurose, além de uma alta tendência à impulsividade. É justo nas relações afetivas que os problemas aparecem. “O amor patológico está totalmente ligado à personalidade borderline. São pessoas com senso de identidade quase nulo, daí precisarem de outros para dar validade a elas. Elas não amam ninguém; na verdade, é preciso de quem constrói um lugar no mundo para elas”, diz. Quando rejeitadas ou temerosas de perder esse alguém, elas enlouquecem. Porque é como perder a própria vida.

O amor patológico, afirma Ana Beatriz, necessita de parceria: para cada fronteira, há alguém com outro transtorno, mesmo que leve. Há casos em que, do outro lado, é um obsessivo-compulsivo, que nunca rompe o vínculo pela obstinação em corrigir a situação. Na maior parte das vezes, porém, o par da personalidade borderline é o narcisista – ou mesmo o psicopata. O “amor louco” do outro enaltece a vaidade do narcisista, torna-se sua forma de ter segurança e viver. No caso do psicopata, sua falta de empatia faz com que ele trate uma situação com frieza, isso quando não se diverte e sente prazer. “São esses pares complementares que geram os casais tão improváveis ​​que muitas vezes se encontram e nos fazem pensar: como é que isso funciona?”, diz.